Bullying de gente grande
DE SÃO PAULO
Não gosto do conceito de bullying e do
uso que temos feito dessa palavra. Eu já disse isso e reafirmo em nossa
conversa de hoje.
Por que tenho rejeição em relação ao
conceito? Porque ele leva o adulto a se ausentar das questões que os mais novos
enfrentam na convivência com seus iguais.
É como se nada do comportamento
manifestado pelas crianças --nos conflitos, nas provocações, brigas e
desavenças, nos apelidos e nas piadas a respeito de aparência-- tivesse relação
com o mundo adulto.
E mais: é como se elas fossem
totalmente responsáveis por tudo o que fazem. De errado, é claro. O conceito
nos permite, portanto, ficar de fora desses problemas. Talvez por isso mesmo
faça tanto sucesso entre nós, adultos.
E o que dizer, então, do uso da
palavra? Temos uma especial atração pelo exagero nessa questão.
Uma criança pequena que é mordida pelo
colega na escola, um primo que zomba do outro que perdeu o jogo, a criança que
usa óculos e ganha um apelido por isso... tudo agora é transformado no tal do
bullying.
Bem, mas encontrei um bom uso para essa
palavra e esse conceito -e é disso que vou falar hoje. Trata-se do bullying de
adultos contra crianças e adolescentes.
Outro dia ouvi a mãe de uma menina
chamá-la de "anta" e dizer que ela só fazia coisas erradas.
Ainda ouvi a garota responder, com cara
de choro, que não havia feito o que fizera por querer... Havia errado tentando
acertar. Isso é bullying, concorda leitor?
Uma criança humilhada por alguém contra
quem não pode ou não consegue se defender pode muito bem ser assim entendido.
E nas escolas? Pais de alunos e
professores têm praticado o bullying contra alunos no espaço escolar, sabia?
Vou começar pelos pais, dando alguns exemplos.
A escola tem um vício, entre tantos,
que afeta fortemente alguns alunos. Escolhe "bodes expiatórios" para
arcar com quase tudo de errado que acontece na sala de aula e no espaço
escolar.
Muitos alunos conversam, saem da
carteira, fazem bagunça, mas a professora sempre chama a atenção, nominalmente,
apenas de um ou dois dos alunos.
Claro que todos os alunos percebem isso
e passam a acreditar que só aqueles determinados colegas fazem o que não
deveriam fazer e, em casa, reclamam desses colegas aos pais. O que muitos
desses pais fazem?
Conversam com outros pais para falar
mal dos bodes expiatórios, procuram a direção da escola, fazem abaixo-assinado,
ameaçam cancelar a matrícula do filho caso esses alunos não saiam da classe ou
até mesmo da escola.
É bullying puro de um grupo de adultos
contra uma ou duas crianças.
E os professores? Você não tem ideia,
caro leitor, de como alguns deles são capazes de fazer referências irônicas e
depreciativas a respeito de determinados alunos quando conversam na sala dos
professores, por exemplo.
Os alunos em questão não ficam sabendo
do que é dito a seu respeito? Nem precisa, porque, no relacionamento com os
professores, isso será percebido.
Talvez esteja na hora de fazermos um
acordo no mundo adulto: o de só falarmos do bullying entre os mais novos quando
controlarmos nosso próprio comportamento e pararmos com essa história de
humilhar, depreciar, excluir, intimidar e agredir, velada ou escancaradamente,
as crianças e os adolescentes.
Rosely Sayão,
psicóloga e consultora em educação, fala sobre as principais dificuldades
vividas pela família e pela escola no ato de educar e dialoga sobre o dia-a-dia
dessa relação. Escreve às terças na versão impressa de "Equilíbrio".
http://www1.folha.uol.com.br/colunas/roselysayao/1240878-bullying-de-gente-grande.shtml